Coleção de Textos

6 de abr. de 2011

A Fala [e a Escrita] Como o Exercício de Esconder a Verdade

Eu nunca vi ninguém que falasse exatamente qual era a verdade. Mas eu já vi muita gente ter razão ao dizer alguma coisa. Ou seja, por mais que eu compreenda o esforço de uma pessoa em expor a verdade sobre alguma coisa, algo sempre nubla a fala, de modo que eu nunca posso dizer que isso é a verdade. 

Parece, pois então, que a verdade nunca poderá ser dita. Se não pode ser dita, acredito que tão pouco possa ser escrita, já que a escrita é o diálogo que não passou pela boca mas pelos dedos. Dessa maneira, todo o esforço literário e de discurso que já houve no mundo nunca alcançou o objetivo, supondo que este seja o de dizer uma verdade (falo sobre textos e discursos científicos ou mesmo do cotidiano que fogem daqueles do blefe, que objetivam realmente esconder a verdade).

Mas, no entanto, desde que surgiu, o discurso - e a escrita - nunca chegou ao ponto de ser abandonado mediante à sua ineficácia de atingir o objetivo pressuposto de exprimir a verdade. Disso temos que ou o seu objetivo (e seu uso) hoje é pervertido, ou então a objetivação pressuposta não é a verdadeira - o que seja um ou seja outro, no fim, me parece o mesmo. O discurso, portanto, é uma ferramenta de esconder a verdade. 

Essa assertiva pode parecer incorreta na medida em que averiguamos que, para nós, mais valoroso é um discurso quanto mais à verdade ele corresponde. No entanto, posso afirmar com pé seguro que um discurso é tão mais apreciado quanto menor é a evidência que ele deixa transparecer da nublagem que faz da verdade, ou quanto mais verdadeiro ele faz parecer a versão que ele exibe.

Nessa medida, temos que a fala - e, por conseguinte, a escrita - é o exercício de esconder a verdade, tentando sobrepô-la com uma imagem verossímil.

Talvez esse tipo de raciocínio não valha nem a pena ser desenvolvido se pensar-se em, de uma maneira pessimista, categorizar a verdade como algo inexistente ou a falar, como até os cães já ladram por aí, que a verdade é relativa.

A verdade existe. Não porque ela seja inexprimível é que ela inexista. É inexprimível, mas não inapreensiva.