GÊNERO: FANTASIA
ESTILO: MICRO-CONTO
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI
Na terra de Tuviraí, todos sabem que o homem, desde que nasce, já nasce desemparelhado do tempo certo. Dessa maneira, por mais que force, esforce e tente, ele nunca consegue descobrir por que caminhos tortuosos e com que marcha o tempo se esvai.
Foi bem perto de Tuviraí, em Cabicampá, uma pequena cidade com quatro casas e duas igrejas, cinco bares e uma escola, onde quatro estradas se cruzam no centro, onde também o vento norte faz a curva, foi que um homem pode fugir à regra divina do desemparelhamento.
Dizem que cada vez que um homem perde a consciência ele pára de viver no tempo. E, cada vez que recupera, volta a entrar na fita do tempo numa parte diferente da que estava vivendo. A fita do tempo nunca pára, mas também nunca se move.
José Arlindo, o Seu Nonô, conhecido assim desde tempos imemoriais, fazedor de balaio, pescador de tambaqui, carpidor de roça e contador de causo nas horas vagas ("só de capricho", como ele mesmo dizia), conheceu o Dirceu, homem valentão, do tamanho de touro, do porte de uma mangueira, que vivia pelos bares procurando descaso pra tomar pro provocação.
Já o Dirceu, por sua vez, foi quem conheceu o Tomé, que nome outro não tem, e se tem ninguém sabe qual é. O Tomé, que é quem interessa na história, foi quem bebeu demais no bar e quis caçar confusão com o Dirceu, levou um sopapo, perdeu a consciência e, quando voltou a si, tinha emparelhado com o tempo.
Depois do dia do feito, na cidade de Cabicampá, o Tomé ganhou notoriedade: se alguém perguntava que horas eram, o Tomé respondia no tasco: "É uma e quarenta e três", e uma e quarenta e três era. Se alguém lhe perguntava "Ô, Tomé! Quanto tempo vai pra ferver a água" pra escaldar as galinhas pra depenar, o Tomé dizia: "Daqui cinco minutos ocê me pergunta de novo, que daí mais dois minutos já pode escaldá". E sete minutos depois o Tomé falava "Ferveu!" e fervia.
Como sempre foi homem pobre, o Tomé aproveitou dos apetrechos do tempo pra se passar por adivinho, porque o futuro ele podia prever, agora que o tempo corria tão límpido pelos córregos do seu pensamento. "Daqui uma hora deve chover, porque já passou cinco dias do chuvisco e isso é fácil de prever" pensava o Tomé. E daí uma hora, chovia, pra espanto do povo.
Irritado quem ficou o Zé Arlindo, que ninguém mais dava atenção pros seus causos. Então foi que ele pediu pro Dirceu dar um bofetão no Tomé, porque "Se assim veio, assim vai embora o rebuliço!". E foi o que o Dirceu fez, e assim foi que o Tomé perdeu suas capacidades de emparelhar o tempo e já não sabia mais nem em que dia estava, nem em que dia tinha nascido.
Mas, pra sorte do Tomé, ou pra desgraça do Zé Arlindo, o matuto ia andando no mato, tropeçou num lebrão, deu de cabeça numa mangueira e teve os poderes de volta na mão. Pôde tirar mais um troquinho, fazendo adivinhação.
E parecia que nunca mais o Tomé ia parar de adivinhar, porque tudo é relativo com o tempo, depende do tempo as coisas pra se mudar.
Mas o Tomé que agora tinha muito dinheiro, que fazia muita adivinhação, também vivia nos bares fazendo recreação. Foi numa dessa que bebeu cinco litros de pinga, numa noite só, sem parar, e quando acordou, nem com o tempo podia parear. Ficou doidinho da cabeça, falando sozinho por aí. Não pode mais fazer previsão, pra alegria do Zé Arlindo, que esse conto pôde contar.