Coleção de Textos

28 de fev. de 2011

E FOI

GÊNERO: CRÔNICA
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Vergílio é que era um cabra arretado. Ele sabia de tudo (exceto o porquê de sua mãe tê-lo nomeado Vergílio em vez de Virgílio). E então um dia ele disse Vai estourar! e a bola que o Catarino chutou estourou.
   Ajudando o pai a erguer um muro, gritou Vai cair! e o muro desceu pelo barranco. Tal vez também, quando estava na aula, resmungou um Vai apagar! e a energia acabou no quarteirão todo.
  Vai chover! e choveu. Vai estragar! e estragou. Vai funcionar! e funcionou.
   O Vergílio veio me visitar, me disse Vai acabar!

22 de fev. de 2011

SEGREDO DA VIDA NO. 2

GÊNERO: CRÔNICA
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Eu não digo que a vida seja simples, mas a cada dia que vivemos vamos descobrindo novos segredos de como viver. Basta viver para entender. E o dia em que a luz ofuscar os nossos olhos, retirando de nós o suspiro da alma, todos os segredos teremos compreendido.

    O SEGUNDO GRANDE SEGREDO DA VIDA é reconhecer que tudo que pensamos sobre o futuro se baseia em sonhos que não podem nunca se tornar reais. Nenhum emprego que sonhamos atenderá os nossos desejos da maneira como esperamos. Os amigos que idealizamos nunca se comportarão do jeito que pensamos que eles deveriam e a relação amorosa, então, não poderá nunca ser tão pura quanto idealizada.
   Pode acontecer de um momento vindouro não desagradar aos nossos desejos presentes, não ficando tão explícita a frustração dos nossos planos e ideais, mas serão sempre muito distanciados os nossos sonhos das condições reais da nossa vida.

PAIXÃO CALADA

GÊNERO: POESIA
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Eu tenho mantido uma paixão calada, afobada, apertada, no fundo do peito da qual escapar declaro não ter jeito e extrapolá-la o coração me implora.
  Mas eu sei que paixão é doença, é ferida, é nociva, isso trago comigo de experiência antiga, eu sei que um dia ela vai embora.

21 de fev. de 2011

SUPLÍCIO

GÊNERO: CRÔNICA
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI


   Talvez não fosse o melhor dia da minha vida. Era um dia normal. É um dia desses em que a gente se deixa estar e as preocupações não nos alcançam.
   Diria até que foi um dia bom. Foi bom acordar cedo e ver a manhã, foi bom passar aquele dia. Foi bom conversar com aquela menina e se despedir com um beijo e a promessa de que ela me ama pra sempre.
   Mas o destino tem equações com variáveis desconhecidas. E se nos julgamos capazes de calculá-las, ou nos enganamos ou nos tornamos loucos.
   Pois foi bem na saída do clube, cerca de dez e meia da noite, quando eu abria a porta do carro, que me abordaram e pediram a carteira. Eu, como não entendia a situação e não sabendo expressar muito bem a minha ignorância sobre o momento, não soube explicar que a minha carteira estava dentro porta-luvas, fiz um movimento brusco, levei dois tiros na garganta e caí. Vi o cara correr para longe, mais desnorteado que eu. Eu compreendi que aquele era o momento de fazer alguma coisa, então pedi mentalmente para que tudo voltasse... 
    Foi bom conversar com aquela menina e se despedir com um beijo e a promessa de que ela me ama pra sempre. Foi bom voltar pra casa e sentir um pouco de paz, ligar o som e dormir sonhando a música que eu ouvia.

SEGREDO DA VIDA NO. 1

GÊNERO: CRÔNICA
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Eu não digo que a vida seja simples, mas a cada dia que vivemos vamos descobrindo novos segredos de como viver. Basta viver para entender. E o dia em que a luz ofuscar os nossos olhos, retirando de nós o suspiro da alma, todos os segredos teremos compreendido.

    O PRIMEIRO GRANDE SEGREDO DA VIDA é ser para as pessoas o que elas querem que você seja. Filhos prudentes não derrubam lágrimas de suas mães e, sendo honestos, não causam desgostos aos seus pais. Sendo engraçado, nunca ninguém deixou de ter amigos. Sendo fiel, nunca se ferirá a pessoa amada. Aquele que é humilde para o invejoso nunca desperta contra si o desprezo ou a ira de alguém. Aquele que espera inteligência e compreensão de um ser humano não se levanta contra um sujeito inteligente e compreensivo.
   Talvez pareça que não seremos felizes sendo o que os outros querem, mas digo que exatamente teremos dos outros o que queremos quando formos a eles algo estável, agradável e duradouro.


   POST SCRIPTUM 1.: Saber ter da vida o que se quer, portanto, é conseguir convencer as pessoas ao redor que você é exatamente o que elas querem, ou, de maneira mais clara, que elas querem que você seja exatamente o que você é.


   POST SCRIPTUM 2.: Há que se tomar muito cuidado com as pessoas que não encontram limites em seu desejar e que possam, talvez, querer que você seja mais do que pode ser, enganando a si mesma sobre o que realmente deseja ter ou esperar de você.

19 de fev. de 2011

O Progresso

No fim dos tempos, tudo foi progresso.


Ele chega em nossas vidas, derruba as colunas do tempo, destrói tudo que já foi feito e acaba com as nossas esperanças.


Quando vislumbramos o progresso, nossos sonhos se tornam pequenos. A felicidade se torna efêmera. E a vida se torna inútil.

Que poderei eu fazer,
senão viver e morrer com um sonho?

E que será de mim,
se meu sonho for verdadeiramente pequeno?
Qual será o sentido,
se não houver significado?
Como poderei viver
Num espaço tão esvaziado?

14 de fev. de 2011

A Certeza da Vida

De nada no mundo digo que tenho certeza. 
Talvez eu tenha certeza só de que nasci. 
Não me é certeza nem a morte, 
porque ainda não morri.

9 de fev. de 2011

FILHOS

GÊNERO: CONTO
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Ignácio trabalhou uma vida toda, se guardou de todo o mal e teve dez filhos: Ignácio, Leonardo, Camila, José Arcadio, Luiz, Roberto, Natália, Verônica, Luciano e Luciana.
   Cada um nasceu num ano, foram dez partos, foram dez choros, dez crismas, dez rostos.
   Ignácio trabalhou na roça, Leonardo virou vendedor, Camila é empregada doméstica, José Arcadio virou escritor, Roberto morreu de mau-súbito, Natália virou prostituta, Verônica é formada em química, Luciano é tocador de viola e Luciana escreveu este conto no jornal.

8 de fev. de 2011

UMA VIDA

GÊNERO: CONTO
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Ele nasceu capricorniano. Foi um bom menino durante a sua infância, sendo como toda criança, ou seja, encontrando felicidade em tudo. Foi batizado, era bom cristão. Era sempre vívido, tinha boas relações. Vizinhos e amigos o adoravam.
   O tempo passa rápido, quando a gente não pára para espiar o seu caminhar, e ele não parava para ver o tempo passar. A infância foi voando embora, chegou uma fase de sonhos e vislumbre de uma vida independente. Sempre levara uma vida pacata, sem muitos exageros, sem ânsia de viver intensamente.
   No entanto, existe na vida da gente um período em que devemos conhecer um amor verdadeiro e puro, para logo depois descobrirmos que isso é pura bobagem dentro das nossas cabeças. Temos que passar pela fase da inocência para atingir uma sabedoria de saber como lidar com o amor.
   Para ele não existiu tal momento e o amor de si foi desenraizado como que arrancado por uma foice, a foice do destino. Tudo dele, tudo nele, oferecia-lhe a oportunidade de ter a contemplação da vida sem o mecanismo do afeto. Para ele nunca foi difícil conceber que as pessoas, muitas vezes, se enganam, procurando dentro de outras pessoas coisas que nem mesmo em si próprias (ou em nenhum lugar do mundo) poderiam ter. 
    Para aquele rapaz, a vida foi dura sem deixar transparecer o golpe frio que o destino lhe aplicara. Nunca soube, mas ele nunca pôde contemplar a pureza dos mistérios amorosos, nem nunca pôde acreditar num amor de verdade, ou então conceber o altruísmo para com a pessoa amada. Nunca acreditou em doar-se por outra pessoa.
   Fora um egoísta. E por toda a vida continuou sendo-o. Mas do seu egoísmo brotara sempre o mais lindo e puro altruísmo que um homem já pode sustentar. De suas atitudes vinha a égide da mais pura moral e do mais límpido bem-querer, não só para com ele ou para com a pessoa amada, mas para todo o tipo de manifestação vivente mundana.
   Fez tudo o que pôde para ter uma vida equilibrada e até o fim dos dias arrastou o pesado fardo de não compreender o porquê de tantas ilusões serem desejadas por qualquer um do mundo. Teve família, viveu feliz. Como é natural, esmaeceu com o tempo. A doença chegou e lhe levou de volta ao pó do chão. Hoje, a única lembrança que resta é sua lápide, onde se pode ver escrito:

PRATICAMENTE NÃO TINHA NOME
MAS TINHA BONDADE
VIVEU VIDA SIMPLES
E MORREU SEM CONHECER O AMOR
QUE NÃO FOSSE O DE DEUS

6 de fev. de 2011

Atrasado ou Não

Observar o relógio é pra quem tem paciência, mas eu quebrei as regras. Eu fiquei observando-o, principalmente seus ponteiros e ruídos, sua calma.


Os ponteiros não se cansam. Eles dão voltas, repetem toda a trajetória e tudo isso sem medo. Eles vão sempre adiante, nunca voltam, só quando alguém os faz voltar, mas mesmo assim seguem em frente. E eles vão seguindo, em círculos e nunca ficam tontos e continuam indo.


O objetivo do relógio, penso eu, é chegar na hora certa. E ele chega. Ele chega e continua indo, para chegar às outras horas que ainda o esperam.


Mas um dia o relógio pára. Pára porque acabaram suas forças, acabou sua vontade, acabou tudo o que o levava a seguir. Rodou tanto que perdeu seu ponto de chegada e esqueceu o seu ponto de partida.


E ele só continua, quando ele encontra algo novamente que o faz continuar, rodar e rodar atrás da hora certa.


Talvez nunca ache novamente e fique parado para sempre, ou talvez ele encontre algo que o faça continuar, que demore, mas ele encontra: ele tem paciência.


O que admiro no relógio, é que independente do que o faz continuar, ele segue sem pressa e com um só motivo, chegar.


Atrasado ou não, ele chega. 


Camilla Ferreira

5 de fev. de 2011

COTIDIANO

É normal. Num dia se acorda disposto e no outro se acorda deposto. Não há nada que se possa fazer quando as vontades do destino vêm como águas torrenciais sobre a estaca do próprio ego. Tem dias em que acordamos e a única vontade que temos é de correr para uma direção que não sabemos qual é, nem ao menos sabemos o que há no fim do caminho. Faz parte do cotidiano viver um dia após o outro, como se alguma coisa fosse chegar amanhã e como se não tivesse nada de mais para buscar no ontem. A amargura de não poder ter o que já se teve ferroa.

4 de fev. de 2011

Eia Boi

Eia, boi Coroso! Eia, boi Fubá!
Eia, boi Reboco! Óia o Rei a espirrar!

Atchim! Atchuuu!
Saúde! Saúde!
Obrigado, vaca Mimosa; 'brigado, boi Ataúde.

Atchim! Atchuuu!
Deus te cria! Deus te cria!
Obrigado, vaca Rainha; 'brigado, novilha Sophia.

Atchim! Atchuuu!
Que te benza! Que te benza!
Obrigado, garrote Leitoso; 'brigado, vaca Lorenza.

Atchim! Atchuuu! Ha-atchuuu!
Que me crie, que me benza, que me cure!
Espirro de boi no pasto é pedra que não há água que fure!

ATO DE AMOR

GÊNERO: POEMA
AUTORA: SABRINA RAYARA SOUSA MORAES


De vez no tempo decidiu parar,
Seu último suspiro ao cantarolar uma canção
Uma lâmina, dois pulsos, uma brisa,
E um último pensamento, talvez o mais doloroso
Uma gota, logo uma fonte,
Uma lágrima, sem tempo.

3 de fev. de 2011

As Verdades Universais que Ninguém Sabe

Acontece, e ninguém sabe, que tem algumas verdades que o homem NUNCA saberá. Elas são, a bem do fato, totalmente imperceptíveis.


Ninguém sabe, por exemplo, que quando uma pessoa espirra, todas as pessoas do mundo fazem a mesma careta da pessoa gripada (contraindo os lábios, fechando os olhos e expulsando uma enorme massa de ar - quente e úmido - pelas ventas). Ninguém nunca poderá perceber ou saber disso, porque todos estão de olhos fechados ao mesmo tempo e ninguém poderá ver mais de doze bilhões de pessoas espirrando ao mesmo tempo.


Quando eu digo doze bilhões de pessoas, falo da população terrestre em sua contagem mais atual, pois ninguém sabe, mas há mais de doze bilhões de pessoas na terra, sendo que seis bilhões e tantas têm a função de viver normalmente - seisbilhonando no mundo -, enquanto a outra metade tem a função de seguir de perto todos os terráqueos "normais", imitando inclusive os movimentos, sendo que nenhum desses foi nunca percebido pelos que são imitados.


Para cada ser humano "normal" que nasce, uma mãe "sombra" entra em trabalho de parto logo atrás da mãe imitada, nascendo na mesma proporção os humanos-objeto e os humanos-imagem.


Tais fatos são tão interessantes quanto o de que existe em cada madrugada o período de sessenta segundos onde ninguém no mundo está acordado. Se alguém tenta não pregar os olhos por vinte e quatro horas, durante esse minuto cai num cochilo "forçado". Não se sabe num dia em que minuto da madrugada esse efeito se manifestará, mas pode-se calcular aproximadamente utilizando-se de uma metodologia obscura.


Há quem afirme que já ficou acordado durante esse minuto, mas se trata de ilusão ou sonho.


Talvez seja tão curioso saber também que todos os animais falam, mas só quando os seus donos estão falando, fazendo-os pensar que o som de suas falas são as próprias palavras dos donos. Ou seja, os animais são peritos em ventriloquismo, sendo que muitas vezes que pensamos ter dito algo, foi um gato ou um marreco quem o disse, sendo que nós não passamos de meros bonecos.


Essas são apenas algumas curiosidades das que ninguém nunca soube, e das quais ninguém jamais saberá, porque não estão escritas em lugar nenhum e ninguém nunca ouviu delas falar para poder passar o conto adiante.

2 de fev. de 2011

A DESGRAÇA ALHEIA

GÊNERO: MICRO-CONTO
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

   Amanheceu o dia e o sol entrando pela janela acordou o Jão. O Jão era lavrador, era homem "bão". Aiê, Jão! Apressa que já amanheceu o dia: o Jão tem que sair pra roça, porque o Jão planta feijão.
   O feijão do verão é no inverno que o Jão vai comer. E o semeio que se faz no inverno, pro verão tem que sobrar. O Jão, desde menino, aprendeu a viver da terra.
   Acontece que hoje é dia de "prantá". Lá vai o Jão, o feijão, a plantadeira e a marmita no "borná". Lá chega o Jão na roça do feijão. Lá vai o Jão, sulcando o chão. Bota o feijão, tampa de terra. Espera crescer, a espera é miserável.
   Mas a vida de um pé de feijão é muito difícil. O Jão é que sabe. É pouca água, é pouco esterco. É muita praga e é muito porco pra comer. E quando o feijão do Jão tava prontinho pra catar, um dia antes de colher, veio um fogaréu da mata, engoliu a roça do Jão.
   Voltando da roça um mendigo atrás do Jão vinha rindo "É muita desgraça prum Jão só!". Ao que o Jão foi respondendo "E o sinhô, que tá pió?". E o mendigo emendou "Comê, eu já num como nada. Melhó que arroz sem fejão". É, Jão! Vai ter que comer arroz sem feijão.

1 de fev. de 2011

O HOMEM EMPARELHADO AO TEMPO

GÊNERO: FANTASIA
ESTILO: MICRO-CONTO
AUTOR: MURILO VASQUES CARMINATI AMATI

  Na terra de Tuviraí, todos sabem que o homem, desde que nasce, já nasce desemparelhado do tempo certo. Dessa maneira, por mais que force, esforce e tente, ele nunca consegue descobrir por que caminhos tortuosos e com que marcha o tempo se esvai.
  Foi bem perto de Tuviraí, em Cabicampá, uma pequena cidade com quatro casas e duas igrejas, cinco bares e uma escola, onde quatro estradas se cruzam no centro, onde também o vento norte faz a curva, foi que um homem pode fugir à regra divina do desemparelhamento.
  Dizem que cada vez que um homem perde a consciência ele pára de viver no tempo. E, cada vez que recupera, volta a entrar na fita do tempo numa parte diferente da que estava vivendo. A fita do tempo nunca pára, mas também nunca se move. 
  José Arlindo, o Seu Nonô, conhecido assim desde tempos imemoriais, fazedor de balaio, pescador de tambaqui, carpidor de roça e contador de causo nas horas vagas  ("só de capricho", como ele mesmo dizia), conheceu o Dirceu, homem valentão, do tamanho de touro, do porte de uma mangueira, que vivia pelos bares procurando descaso pra tomar pro provocação.
  Já o Dirceu, por sua vez, foi quem conheceu o Tomé, que nome outro não tem, e se tem ninguém sabe qual é. O Tomé, que é quem interessa na história, foi quem bebeu demais no bar e quis caçar confusão com o Dirceu, levou um sopapo, perdeu a consciência e, quando voltou a si, tinha emparelhado com o tempo.
  Depois do dia do feito, na cidade de Cabicampá, o Tomé ganhou notoriedade: se alguém perguntava que horas eram, o Tomé respondia no tasco: "É uma e quarenta e três", e uma e quarenta e três era. Se alguém lhe perguntava "Ô, Tomé! Quanto tempo vai pra ferver a água" pra escaldar as galinhas pra depenar, o Tomé dizia: "Daqui cinco minutos ocê me pergunta de novo, que daí mais dois minutos já pode escaldá". E sete minutos depois o Tomé falava "Ferveu!" e fervia.
  Como sempre foi homem pobre, o Tomé aproveitou dos apetrechos do tempo pra se passar por adivinho, porque o futuro ele podia prever, agora que o tempo corria tão límpido pelos córregos do seu pensamento. "Daqui uma hora deve chover, porque já passou cinco dias do chuvisco e isso é fácil de prever" pensava o Tomé. E daí uma hora, chovia, pra espanto do povo.
  Irritado quem ficou o Zé Arlindo, que ninguém mais dava atenção pros seus causos. Então foi que ele pediu pro Dirceu dar um bofetão no Tomé, porque "Se assim veio, assim vai embora o rebuliço!". E foi o que o Dirceu fez, e assim foi que o Tomé perdeu suas capacidades de emparelhar o tempo e já não sabia mais nem em que dia estava, nem em que dia tinha nascido.
  Mas, pra sorte do Tomé, ou pra desgraça do Zé Arlindo, o matuto ia andando no mato, tropeçou num lebrão, deu de cabeça numa mangueira e teve os poderes de volta na mão. Pôde tirar mais um troquinho, fazendo adivinhação.
  E parecia que nunca mais o Tomé ia parar de adivinhar, porque tudo é relativo com o tempo, depende do tempo as coisas pra se mudar. 
  Mas o Tomé que agora tinha muito dinheiro, que fazia muita adivinhação, também vivia nos bares fazendo recreação. Foi numa dessa que bebeu cinco litros de pinga, numa noite só, sem parar, e quando acordou, nem com o tempo podia parear. Ficou doidinho da cabeça, falando sozinho por aí. Não pode mais fazer previsão, pra alegria do Zé Arlindo, que esse conto pôde contar.